António Cordeiro e Rosa do Canto: "Damo-nos bem e mal como outra qualquer família"

A Notícias TV entrou na cozinha dos Pelicano e sentou-se à mesa com Laurinda e Henrique da novela. Cúmplices e divertidos, dizem que a história da SIC ganha à concorrência porque a comida deles "tem melhor tempero". E não é que estão babados com os quatro filhos que a ficção lhes deu?
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Como é quase meio-dia, se a Laurinda tivesse de pegar nos tachos e nas panelas que iguaria preparava o almoço?

António Cordeiro (A.C.) - Qualquer peixinho que não fosse da aquacultura dela. Eu trago peixinho fresco do mar...

Rosa do Canto (R.C.) - [interrompe] Eu tenho imenso cuidado com os oceanos, não vou com os arrastões dar cabo do fundo do mar. Por isso, é que embirro com ele...

A.C. - [interrompe] Nós temos uma relação muito curiosa

R.C. - [risos] Temos, temos!

São a típica família portuguesa com certeza?

R.C. - [risos] Mas não temos quartos.

A.C. - Não nos veem nunca na cama, o que já não é mau [risos]. Com a nossa idade não valia a pena [maisrisos]. Os nosso filhos quando querem, alugam um quarto no Hotel Salinas, como fez o Mateus [José Mata] depois de roubar as poupanças da mãe.

Qual é o segredo da família Pelicano ser tão credível aos olhos do público?

A.C. - Criámos uma relação com um carácter extraordinário, de grande proximidade e cordialidade, que está patente na imagem. Como gostamos uns dos outros, isso facilita em cena.

R.C. - Temos dias...[risos]

A.C - Em regra geral damo-nos muito bem. Aliás, até temos um jantar de Natal marcado.

Um jantar de Natal fora da ficção?

A.C. - Sim. Iremos sem as nossas personagens jantar a um restaurante simpático.

R.C. - Nesse dia não terei de cozinhar, alguém irá fazer o jantar por mim [risos].

Como é que vai ser o Natal da família Pelicano em Mar Salgado?

R.C. - A ceia será com o tradicional bacalhau com couves e batatas, mas também com polvo à moda do Minho porque sou minhota, e muitos doces: rabanadas, sonhos, arroz-doce e bolo-rei. E, claro, não vai faltar vinho do Porto.

O António e a Rosa não têm filhos e agora são pais de quatro, Filipe (Luís Barros), Eva (Liliana Santos), Mateus (José Mata) e Madalena (Filipa Areosa). Como é que se adaptaram a ser mãe e pai?

A.C. - Pensei como é que seria ser pai de quatro filhos crescidos e cada um com a sua personalidade. Por isso, quando criámos este coletivo, pedi-lhes para darem, além do contributo artístico, o contributo humano, de modo a entender como é que cada um deles se ligava comigo e com a Rosa. Faço justiça à Rosa por ser uma pessoa notável e atriz extraordinária.

R.C. - [agarra-lhe o braço] Obrigada. Mas, muito se deve ao trabalho do António que já me dirigiu algumas vezes e tirou-me alguns vícios.

Então, foi fácil criar o núcleo familiar?

A.C. - A nossa relação de amizade fez que eles, os nossos filhos, se sentissem em casa. No início disse-lhes: "Temos de parecer uma família à séria e, como tal, damo-nos bem e mal como outra família qualquer."

R.C. - Mas tivemos imensa sorte porque os nossos filhos, além de serem excelentes pessoas, são muito profissionais, ótimos atores e lindos.

Parecem ter sido desenhados com um lápis.

A.C. - Soubemos fazer bem a coisa [risos]. Os nossos filhos são todos muito bem parecidos e a única coisa má cá de casa é, de facto, aquele cunhado [Bento, personagem de João Ricardo]. Ele é uma desgraça e vai levar com um par de patins do Henrique e da Laurinda, como as pessoas irão ver lá mais para a frente.

R.C. - O nosso mais velho é parecido com o pai. Já as miúdas são bonitas como a mãe.

A.C. - O rapaz mais novo também é todo mãe.

R.C. - Mas olha [vira-se para ele]: o Filipe até é parecido contigo. Está a perder o cabelo [risos].

A.C. - Por isso é que me escolheram para o papel. Escolheram-no primeiro a ele e depois a mim para encaixar bem [risos].

Se tivessem tido filhos podiam ter a idade destes atores, os vossos filhos na ficção?

A.C. - É curioso que quando me tocou este papel comentei isso com a Rosa. Eu não tive filhos porque não calhou.

R.C. - Eu esqueci-me de ser mãe. Podia estar arrependida mas não estou. Nem quero ser olhada de lado por isso. Ter ou não filhos é opção de qualquer mulher. Costumo dizer que sou mãe solteira de dois gatos, o Tuga e a Mel. O António também tem gatos e adora-os.

Como é que se chamam os gatos?

A.C. - São quatro gatas. Não vou dizer os nomes porque isso é coisa de senhoras e elas são muito discretas.

R.C. - Diz lá... [pede a fazer beicinho].

A.C. - Tita, Mimi, Nina e Lolita.

O António é casado mas a Rosa esqueceu-se de dar o nó?

R.C. - Fui uma mulher muito amada, tive as minhas paixões, os meus namorados. Só que tenho um problema, não consigo dividir o meu espaço com ninguém porque sou muito independente. Já em Mar Salgado partilha a cozinha e a sala com o António Cordeiro.

A.C. - Quando me disseram que ia ter uma família, uma mulher e filhos, perguntei à Patrícia Sequeira [diretora de projeto]: "Por amor de Deus, quem é que vai ser a minha mulher?" Ela respondeu-me: "Não sabemos ainda." Fiquei um bocadinho preocupado porque se fosse alguém com quem não tivesse uma relação de alguma franqueza, simpatia e carinho era uma chatice. Defendo que os núcleos têm de ser muito fortes, pois só assim se é credível e isso passa lá para fora. Ultrapassamos as dificuldades com as pessoas em que acreditamos.

Como é que reagiram quando souberam que iam ser marido e mulher?

A.C. - Quando o telefone tocou e me disseram que era a Rosa do Canto suspirei de alívio. A seguir ligou-me ela e dissemos: "Uau!"

É a primeira vez que fazem um casal?

A.C. - Nunca trabalhámos como colegas. Dirigi a Rosa em várias produções. Uma delas foi numa armadilha que me pregaram, a DoceFugitiva (TVI), mas agora não interessa falar sobre isso. Na SP Televisão quando começámos a trabalhar na VilaFaia (RTP1) disse logo à Patrícia [Sequeira] que a Rosa tinha de integrar o elenco. Seguiu-se o Pai à Força.

Há quanto tempo é que se conhecem?

A.C. - Há 30 anos, quando vi a Rosa meio desnuda na peça Tanto Barulho [risos], em Lisboa.

R.C. - Nessa altura ainda estava na idade para me despir [risos].

Conheceram-se em Lisboa, mas o António é alentejano. Afinal, é de Serpa ou de Pias?

A.C. - Posso dizer à alentejana?

Mas tem de ser com sotaque...

A.C. - Sou das Pias, porra!

E foi logo "casar-se" com uma minhota?

R.C. - [a imitar o sotaque alentejano] Então não é que eu consegui um rapaz tão jeitoso e mais novo do que eu?

Voltando à ficção, em Mar Salgado são um casal muito unido. A vossa relação com os filhos é que, por vezes, se torna difícil.

R.C. - Acho que os educámos muito mal [risos].

A.C. - Isso acontece nas famílias. Cada pessoa segue o seu caminho. Não é por acaso que a nossa filha mais nova, a Madalena, se apaixona por um homem mais velho, o Sebastião [Ricardo Carriço], e está numa guerra pegada com o pai.

Isso vai resolver-se agora no Natal?

A.C. - O Henrique é um pai condescendente e como quer que os filhos sejam felizes vai aceitar as opções que eles fizerem. Tem de haver um desenlace louvável, agradável e bom para todos nós. Esta mulher [aponta para Rosa do Canto] quer tanto ter netos e, para já, vai ter um.

Isso quer dizer que a Vitória [Ana Guiomar] desiste do aborto e tem o filho?

R.C. - Sim, sim [risos]!

A.C. - Esse neto acaba por vir de um caminho tortuoso, já que pensávamos que o nosso filho Mateus não iria dar-nos essa alegria.

R.C. - Mas acho que a Sara [Bárbara Norton de Matos] também irá ter um bebé.

A.C. - Der por onde der, temos de ter, nesta família, um grande casamento ou dois...

R.C. - E nós? Se calhar, também vamos ter um, o que é que achas?

A.C. - Outro casamento?

R.C. - Não. Mais um filho.

A.C. - Tu já não estás em condições. O teu peixe já não te permite.

A Madalena está encaminhada com o Sebastião, o Felipe e a Sara vão ser papás, tal como o Mateus, e a Eva?

A.C. - Vai encantar-se com um homem, depois desencanta-se e encontra outro. Andará à procura do seu caminho..

Haverá famílias da classe média que se sentem retratadas em Mar Salgado?

A.C. - Podem existir. Já os ricos... não sei.

R.C. - A minha mãe era como a Laurinda.

Foi uma inspiração?

R.C. - Sim. Pensei bastante nela para fazer a personagem. Como mãe, era a melhor do mundo, já como sogra deixava muito a desejar. Amava tanto, mas tanto os filhos, que não havia lugar para amar alguém que pudesse entrar--lhe em casa e roubar-lhe a atenção dos filhos. Podia dizer mal dos filhos, mas não admitia que ninguém o fizesse. Era fantástica!

"Aqueles filhos são uma canseira"

Voltando ao almoço e ao peixe...

A.C. - [interrompe] Cá em casa não comemos só peixe, mas também cozido à portuguesa, ensopado de borrego.

E a Laurinda carrega no sal?

A.C. - Não, não. Temos muito cuidado.

R.C. - É mais na pimenta.

Então, é mais por causa da pimenta do que do sal que a novela ganha à concorrência?

R.C. - A nossa comida tem mais tempero.

A.C. - A Rosa, como inteligente que é, já está a dar um bom título para a entrevista. As pessoas apaixonaram-se pela novela desde o início porque é uma história macabra, tenebrosa e pesada. Toda a gente está à espera de um desenlace feliz para a Leonor [Margarida Vila-Nova] e que os maus sejam punidos.

Qual tem sido a reação do público?

R.C. - Há muito tempo que não era tão assediada. Durante anos, as pessoas vinham ter comigo e diziam-me: "Olhe, você tem tanta graça, gosto tanto de si, mas o Fernando Mendes"... Era a grande frustração.

Foi tantas vezes casada com ele na ficção que até correu o rumor de que namoravam...

R.C. - Nunca tivemos nada. Demos uma vez um beijo na boca e foi na ficção. Na altura em que trabalhava com o Mendes tínhamos uma empresa e trabalhava lá uma secretária. Um dia ela entrou numa loja, entretanto o Mendes tinha acabado de se separar da mãe dos filhos, e ela ouviu este comentário: "Eu até gostava da Rosa do Canto, mas desde que ela foi a desgraça daquele lar..." [gargalhada]

Agora, com a vossa cumplicidade na novela, ainda vão começar a brincar em relação ao António Cordeiro?

R.C. - É diferente. Ainda há alguns dias, quando andava às compras no supermercado, uma senhora veio ter comigo e disse-me que gostava muito da novela porque estão sempre a acontecer coisas. Essa é uma mais-valia de Mar Salgado, mantém o espectador preso à trama.

A.C. - Esse é o sal de que falávamos à pouco...

O público já separa a realidade da ficção?

A.C. - As pessoas vão sempre para o lado da ficção. Começam por me dizer que gostam de mim como ator, mas depois acrescentam: "Aqueles seus filhos são uma desgraça, uma canseira. Como é que vai lidar com cada um deles?" Digo-lhes que não posso contar a história e aí respondem-me: "Pois é, não conte."

R.C. - Eu quero pensar que o público separa as coisas porque já fiz de prostituta numa novela e não me apetece que as pessoas pensem que ando para aí a prostituir-me.

R.C. - Foi nessa altura que desgraçaste a casa do Mendes [risos].

Voltando a Mar Salgado, que outras mais-valias tem para ter caído no goto das pessoas?

R.C. - Acho que não há erros de casting. Todos os núcleos estão a representar e a defender muito bem as suas personagens.

Vai ser possível manter o ritmo ao longo dos 300 episódios?

R.C. - Quero acreditar que sim!

A.C. - A minha sensibilidade diz-me que pode vir a ter mais. Não digo 100 ou 200, mas 50. Os espectadores estão a gostar da novela e os atores irão deliciar-se com mais episódios.

R.C. - E muito provavelmente podemos vir a ganhar um Emmy?

A.C. - Ah! [suspira]

O António já tem um Emmy Internacional por Laços de Sangue. Mar Salgado pode trazer a terceira estatueta dourada para Portugal?

A.C. - Não tenho capacidade de adivinhar, nem sou de me preocupar muito com esses prémios. O mais importante é ver e gostar da novela.

R.C. - Eu também não me preocupo com os prémios. Mas achava piada se Mar Salgado ganhasse um Emmy.

A.C. - Tu andas é doida para ter em casa uma fotografia com um Emmy [risos].

Mar Salgado foi apresentada na recente edição do MIPcom, em Cannes, como uma das 20 histórias mais promissoras. Pode vir a ser emitida lá fora, como Laços de Sangue.

A.C. - Eu já estou em Itália a parlare [falar] italiano.

R.C. - E podemos ganhar mais algum?

A.C. - Mais o quê? Dinheiro? Toma juízo.

R.C. - Fazia uma obras aqui na cozinha, pintava os móveis de branco. Estou a brincar. Se pudesse levava esta cozinha para a minha casa, porque é moderna.

Enquanto não chega o Emmy, as audiências devem deixar o elenco eufórico. Desde a estreia, a 15 de setembro, que Mar Salgado apenas perdeu seis dias.

R.C. - A sério?!

A.C. - E para quem?

Para o final de O Beijo do Escorpião [4 de outubro], Casa dos Segredos 5 [15, 17 e 24 de outubro] e para o futebol [25 de novembro].

R.C. - Para o futebol até percebo e se foi um jogo do Benfica, então, entendo perfeitamente.

Foi para o Sporting-Maribor [Liga dos Campeões]. A vantagem média de MarSalgado sobre Casa dos Segredos 5 tem sido de 200 mil espectadores. É revelador que o público prefere a ficção à novela da vida real?

A.C. - Para mim continua a ser preocupante que os números da novela da vida real sejam esses [1,238 milhões], quando aquilo não é vida real, mas ficcionada. A nossa ficção é mais interessante do que aquela. As nossas personagens representam melhor. Gostos são gostos e não se discutem. Algumas pessoas podem optar por ver outras coisas, não obrigatoriamente Mar Salgado. As generalistas não estão muito apetecíveis, mas há tanta coisa no cabo...

A Rosa referiu que o casting de Mar Salgado ajuda ao êxito da novela. O elenco da Casa dos Segredos 5, e usando uma expressão dos próprios concorrentes, já não dá canal?

A.C. - Dá Canal Caveira ou Canal da Mancha [risos]. A mim parece-me que a qualidade de Mar Salgado, para os amantes de novelas, faz todo o sentido estar à frente nas audiências e ganhar da forma como tem ganho [com uma média de 1,426 milhões].

O público tinha saudades de ver a Margarida Vila-Nova e o Ricardo Pereira?

R.C. - Acho que sim e eles estão a fazer um excelente trabalho.

A.C. - Sim. Ela faz magnificamente a Leonor. É uma atriz com uma qualidade incrível. Há 10 anos fez comigo uma série no Brasil, chamada Segredo, e tinha 21 ou 22 anos. Nestes dez anos cresceu imenso. É o grande balanço e amparo daquele núcleo de protagonistas. O Ricardo é o galã puro e sabe fazê-lo. Tem a escola do Brasil e ainda bem.

R.C. - De realçar que esta nova geração de atores tem muito valor. A atriz que faz de Marisa [Joana Barradas] participou no filme Os Gatos Não Têm Vertigens e esteve magistral.

A.C. - Mas, então, também tenho de falar dos nossos filhos. A Filipa Areosa é uma atriz absolutamente notável e digo isto porque trabalho com ela. O Zé [José Mata] é um belíssimo ator. Na semana passada fez uma cena extraordinária. Quando cheguei a casa não resisti a ligar-lhe para lhe dar os parabéns.

R.C. - É verdade. Só não lhe liguei porque não tenho o telefone dele.

É bom ver atores mais velhos a falar tão bem dos atores jovens...

A.C. - Era uma coisa que há uns anos não se via.

R.C. - Tens toda a razão. Fico muito feliz por ver estes jovens, saber que há gente que irá ocupar o nosso lugar. É importante realçar que eles têm talento, mas não são uns deslumbrados. Eles pensam sempre que estão mal e que a cena não lhes correu bem. Não quiseram vir para a profissão para aparecer na TV e dar autógrafos. Gostavam, tal como nós, de fazer teatro. Só que o teatro não nos põe comida na mesa.

A.C. - Até ver. Podemos fazer uma coisa numa padaria. Assim comemos enquanto estamos em cena. Temos aqui atores, voltando a falar dos nossos filhos, que vieram de caminhos diversos. Enquanto a Bárbara [Norton de Matos] e a Liliana [Santos] vieram, ainda que entre elas de trajetos diferentes, de um lado que não foi a escola. Já os outros três têm escola. O Luís Barros deu formação em Cascais.

É importante a formação?

A.C. - É fundamental as pessoas terem formação. A Rosa fez um percurso de formação a trabalhar com pessoas no plano prático. Como diz o nosso querido amigo e colega Luís Alberto nós temos uma atividade prática. É fazendo que aprendemos. Porém, temos de ter alguém que nos diga, olha não é por aqui, mas é por ali.

"Faltam-nos os mestre, um Manoel Carlos"

Além do elenco, outro dos trunfos da novela está nos textos, já que ouvimos tantas vezes atores de várias produções a apontar críticas a quem escreve?

R.C. - Não podemos dizer mal, pois não? [olha para o colega a rir-se]. Agora a sério. Acho que estão bem escritos. Quantas vezes nós já fizemos novelas em que tivemos de reescrever o texto porque era difícil de representar.

A.C. - Mas têm de trabalhar os diálogos. Estou à vontade para dizer isto porque já falei com quem de direito. A história está bem engendrada e estão a saber trabalhar as ideias, mas é fundamental ter bons diálogos. Digo isto porque já fiz coordenação de guião, já dirigi. Nesta casa [SP Televisão] só não fiz ainda realização e porque não me apetece...

R.C. - [interrompe] Só não vieste arrumar o cenário para fazermos as fotografias. Estava todo desarrumado e fui eu que o arrumei.

A.C. - Deixa- me só terminar a minha ideia. Os textos têm de ser pensados enquanto diálogos porque as pessoas falam. Só que muitas vezes, quem escreve não tem tempo para pensar os diálogos, já que estão sob pressão a escrever guiões atrás uns dos outros. Isto no fundo é uma máquina de produção rápida, porque há um mapa para cumprir.

R.C. - Agora, deixa-me acrescentar. Eu fiz uma novela, não vou dizer qual foi [risos], em que todos os textos que vinham para as nossas mãos tinham de ser mudados. Aqui não sinto isso.

A.C. - Devia haver um curso específico para dialoguistas. Temos um grave problema em Portugal porque ainda não há uma escola de dramaturgia para televisão. Faltam os mestres, um Manoel Carlos, como no Brasil. Os autores têm de falar de coisas que conhecem e a grande falha na nossa TV é não haver homens e mulheres de 70 anos a escrever. Há gente jovem com talento, mas precisa de tempo.

Ao elenco e aos textos pode juntar-se a realização para fazer de Mar Salgado o produto que é?

A.C. - A Patrícia Sequeira tem uma qualidade acima da média. É graças a ela que os produtos da SP Televisão têm outro carácter. Ela é uma peça fundamental nesta estrutura, obviamente que está bem amparada, como por exemplo pelo Bruno José, que é um diretor-geral.

R.C. - A Patrícia Sequeira é fantástica, uma mulher com muito bom gosto, excelente profissional e sabe muito produção.

Ser uma coprodução com a TV Globo também imprime outra marca à novela?

A.C. - É uma marca identificativa muito forte. Esta novela se vier a ser nomeada para os Emmy, muito provavelmente a Globo irá fazer os seus lobbies e empenhar-se para que tenha visibilidade lá fora. Afinal, é uma novela que tem a chancela deles. Mas que tem qualidade, podia ter a marca da Globo e ser uma desgraça.

"Há atores que vendem produtos"

A propósito de marcas e de novelas, o que é que a TVI já não tem?

A.C. - Eu não gosto das novelas da TVI porque as vejo pelo plano técnico e artístico. Gostava que as produções fossem de qualidade para se defenderem os atores, que devem ser apreciados. Cada vez mais esta classe precisa de um amparo, que não tem.

R.C. - Penso que é tudo uma questão de moda, como as discotecas e os restaurantes. Costumava ouvir dizer, quando a TVI emitia três novelas, que estavam sempre a repetir os mesmos atores. Mas se há atores que vendem produtos...

Como assim?

R.C. - Um dia, num jantar com um produtor, perguntei qual era o critério de escolha dos atores. Disse-me que muitas vezes era a produtora que escolhia um determinado ator. O nome deste vai para a estação, que embora concorde, há alguém de uma marca qualquer que prefere outro porque a vende melhor. Por exemplo, uma marca de carros prefere uma certa atriz, em vez de outra.

A.C. - Já participei de reuniões com produtoras e estações, em que sugeri nomes de atores, mas havia pessoas que não sabiam de quem se tratava. Era constrangedor. A escolha dos atores deve passar por gente que sabe o que está a fazer. Quero acreditar que as estações têm esses profissionais. Espero que seja essa a realidade, independentemente da preferências das pessoas. Quem decide não pode pensar só nos amigos, nos que lhe são próximos, com quem partilha a casa, a cama ou seja lá o que for. Tem de se escolher as pessoas com olhar técnico e crítico, para haver a certeza de que esta ou aquela pessoa serve para fazer determinado papel.

A Rosa falou em marcas, os atores agora gravam cenas com publicidade inserida. Não é um constrangimento?

R.C. - É mesmo. Não gosto nada. Muitos atores e alguns deles brilhantes não o fazem bem. Isso acontece porque o texto está mal encaixado na cena e não nos deixam dizer o texto como queremos. Às vezes enervo-me porque não se pode mudar uma vírgula ou um ponto final.

Os textos são escritos pelos clientes?

A.C. - Sim, é tramado. Ainda que alguns já sejam mais flexíveis e condescendentes que outros. São os clientes que aprovam o texto final. Do nosso lado, temos de ter a noção que estamos a vender um produto, mas devemos fazê--lo como se estivéssemos a fazer uma cena, seja ela de desânimo ou de amor. As palavras têm de fluir e não ser forçado. Se não executamos bem é porque não nos deixam.

R.C. - É preciso que fique credível. Houve um dia que estava em casa e ia passar a publicidade do Lidl e quis ver. Odiei! Chorei de vergonha porque achei que nunca tinha feito nada tão mau na minha vida. Quase morri...

Além da novela, o que estão a fazer mais?

R.C. - Estou na peça Táxi dos Nossos Dias, ainda que não faça parte do núcleo cómico desta novela da RTP1. Recentemente fomos a Castelo Branco e apareceu um rapaz que queria muito falar com os atores. Foi ao camarim e esteve à conversa com todos eles. O curioso, é que fez 400 quilómetros, 200 para ir ver o espetáculo e outros tantos para regressar a casa.

A.C. - Tenho um projeto, em parceria com o Museu Nacional do Teatro, no qual pretendo homenagear o Canto e Castro e que tem o nome De Volta à Cena. Será uma exposição, com fotografias dele, debate e a peça As Peúgas Opus 124, que traduzi e adaptei de um autor francês, o Daniel Colas, que será feita por mim e pelo Luís Alberto. O objetivo é que este trabalho seja itinerante.

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